domingo, 1 de maio de 2011

Beatificação de João Paulo II

Neste domingo, 1º de maio, festa da Divina Misericórdia, o Papa João Paulo II será Beatificado, em missa e ato presididos pelo seu predecessor, Bento XVI. Como aconteceu em sua morte, vemos milhares de pessoas indo para Roma, para Praça São Pedro, com único objetivo, participar da missa, aguardando o momento, quando João Paulo II será declarado beato.
A ida de pessoas de todas as partes do mundo à Praça São Pedro e o interesse das pessoas em acompanhar pela TV, rádio, internet e outros meios, a beatificação de João Paulo II, revela-se nestes dias o aspecto mais tocante no encontro com este papa, seja diante de imensas multidões como no relacionamento pessoal: a sua profunda humanidade.
Ele tinha uma particular intensidade afetiva que conquistava; mas isso não explica tudo. No seu olhar intenso e no seu abraço comovido revelava-se um outro amor, uma outra presença. O papa com a sua humanidade era sinal vivo do amor sem medida de Cristo. Por isso, as pessoas, particularmente os jovens, sentiam um fascínio único e especial: encontravam alguém ferido e apaixonado por Cristo e, por isso, sensível, solidário, amante da vida.
Como são pálidas as tentativas de classificar este papa em esquemas ideológicos de conservadorismo e progressismo ou de projeto restaurador; a única sua preocupação foi indicar a presença de Cristo vivo agora na história, fonte de esperança para a Igreja e para o mundo inteiro, em particular, para os aflitos e para os pobres. O seu olhar não estava voltado na defesa de uma instituição eclesiástica contra os ataques da modernidade e da tecnologia, mas sim a fixar a presença de Cristo, experimentado como vencedor do mal e início de um mundo novo. A defesa da ortodoxia era a defesa de uma experiência preciosa de vida; era o anúncio de Cristo como caminho de plenitude humana contra toda forma de vazio e de desespero. O sofrimento dos últimos anos e dos últimos dias do papa foi o ponto alto da entrega da sua humanidade no seguimento de Jesus.
Desde o primeiro dia de seu pontificado, convidava todos, e não apenas os católicos, a abrir, aliás, a escancarar as portas a Cristo e, com um acento e um vigor totalmente novo, convidava os vastos campos da cultura, da política e da economia, a percorrer a aventura do encontro com o Mistério feito homem. “Cristo, centro do cosmos e da história”, dirá na primeira encíclica “Redemptor Hominis”, segundo a melhor teologia do apóstolo Paulo.
Para levar a todos este anúncio, o Papa se fez missionário em todas as partes do mundo e, particularmente, nas situações mais críticas e delicadas, com uma intrepidez surpreendente. Não teve medo de ninguém, nem das críticas de quantos o acusavam de ir contra a mentalidade dominante no mundo, ou de sair fora dos esquemas da burocracia eclesiástica. Quanto mais firme e sem fáceis descontos mostrava-se a sua mensagem, mais era procurado, particularmente pelos jovens. Mostrou firmeza, coragem e paixão missionária, exatamente quando a Igreja católica começava a viver o complexo de inferioridade diante do mundo e o anúncio de Cristo parecia reduzir-se a um genérico humanismo secular, súdito das ideologias dominantes do momento. Filosofo e agudo expoente da fenomenologia, era atento conhecedor da cultura moderna e contemporânea. Vacinado contra a ideologia marxista e profundamente critico do capitalismo consumista, o Papa proclama incansavelmente o valor insuperável da pessoa humana e da sua dignidade na vida familiar, na convivência social e na ordem econômica e política.
Coloca-se também na vanguarda da luta contra os grandes sistemas totalitários do século XX: o nazismo e o comunismo marxista. E esta posição não é conduzida por meio de reflexões puramente acadêmicas, mas no envolvimento direto pela causa da liberdade dos povos e das consciências. Um papel decisivo é-lhe reconhecido na queda do regime soviético, mas também é intransigente a sua luta em prol da paz em todos os conflitos, particularmente na oposição à guerra no Iraque.
A liberdade para ele não podia ser separada da sua relação com a verdade que, com o seu esplendor, é ponto de referência último da vida da pessoa e da sociedade. Da ligação entre liberdade e verdade depende a firme luta pelos valores éticos no campo da defesa da vida e da sexualidade, contrariando muito pensamento dominante, marcado pela idolatria do mercado e pelo domínio de uma técnica separada de qualquer ponto de referência ético. E neste ponto proclama a unidade de ciência, técnica e ética, indispensável como garantia dos direitos humanos, particularmente dos mais pobres. E aqui se revela a sua insistência na missão social da igreja e na opção pelos pobres que é o transbordar da paixão por Cristo, que incide profundamente na mudança das situações injustas da história. Um papa que avança para as águas mais profundas da santidade e ao mesmo tempo da solidariedade e da justiça; que tem como horizonte não apenas a Igreja, mas o mundo e a vida dos povos.
Outro aspecto inconfundível do pontificado de JPII foi a busca da unidade entre os cristãos e o diálogo com judeus, muçulmanos e fiéis de outras religiões. Os dois encontros de Assis, com lideranças religiosas, constituem uma novidade total no caminho para superar divisões seculares antigas incompreensões. Com grande coragem e humildade pediu perdão em nome dos católicos de todos os tempos, movido unicamente pelo desejo da verdade. Memorável foi também, depois da visita à sinagoga de Roma, o encontro com os hebreus em Jerusalém e sua oração perto do Muro das Lamentações. Entrou em sinagogas e mesquitas, rezou com hebreus e muçulmanos, denunciou a falsidade da teoria do choque de civilizações e, em várias circunstâncias, insistiu sobre o fato que as três religiões abraâmicas são chamadas a ser uma defesa da fé e da civilização contra o domínio de uma visão ateia e puramente mercantilista do mundo.
Tive a oportunidade de acompanhar de perto João Paulo II na visita ao Rio em ’97 e o que mais me impressionou, além dos inesquecíveis momentos do Maracanã e do Aterro, foi a presença cada dia mais maciça do nosso povo mais simples que descia dos morros para cruzar só por um instante o seu olhar e pedir com toda confiança: “Sua bênção, João de Deus”!

Dom Filippo Santoro

Bispo de Petrópolis - RJ

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