sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A virtualidade pós moderna


A virtualidade pós moderna 
        A partir da década de 1960, e no Brasil mais marcadamente no início da década de 90 do século XX, uma série de inovações científicas e tecnológicas convergiram para a criação de novos paradigmas. As redes interativas de computadores cresceram e criaram novos canais de informação e comunicação que promovem mudanças nas relações sociais, econômicas e culturais. A emergência da Internet, com a formação de comunidades virtuais de interação on-line, foi vista por muitos como o surgimento de novos padrões de relações sociais substituindo as antigas. Os críticos da Internet argumentam que a rede promove o isolamento social e um colapso da comunicação e da vida familiar. A sociabilidade real seria substituída por uma aleatória e virtual, baseada em identidades falsas e representação de papeis. Assim, a Internet foi acusada de induzir as pessoas apenas a viver suas fantasias on-line. Hoje, décadas depois, essa visão está ultrapassada. Com a difusão em massa da Internet, ela foi apropriada pela prática social em toda a sua diversidade, e essa apropriação tem efeitos sobre essa mesma prática. Pesquisas recentes mostram que a representação de papéis e a construção da identidade via Internet são uma pequena parcela da sociabilidade baseada na rede, e esse tipo de prática concentra-se nos adolescentes (Castells, 2001). A Internet não é um terreno onde prevalece a fantasia, mas uma extensão da vida como ela é, em todas as suas dimensões. E mesmo nos ambientes em que a representação de papeis é comum, esses papeis são moldados segundo as vidas reais dos “personagens”: “[...] a maioria dos usuários sociais da comunicação mediada por computador cria personalidades on-line compatíveis com suas identidades off-line” (Baym, 1998 apud Castells, 2001, p. 100).

        Contrariando a ideia de que a Internet provocaria uma alienação do mundo real, estudos atuais mostram que ela não tem um efeito direto sobre a configuração da vida cotidiana em geral: ela apenas acrescenta a possibilidade de mais um espaço de comunicação, assim como faz o telefone celular. Além disso, não é que as pessoas se isolem da vida social real para viver uma virtual, mas sim que as que já vivem em estado de isolamento social na vida real encontram na Internet uma possibilidade de viver um tipo de interação social, ainda que não presencial. “A Internet parece ter um efeito positivo sobre a interação social, e tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação. [...] os usuários da rede freqüentam mais eventos de arte, leem mais, veem mais filmes [...] do que os não-usuários” (Castells, 2001).
Assim, em geral, a sociabilidade off-line é potencializada pela on-line. Quanto à construção da identidade, verifica-se que está entre os adolescentes a maior variabilidade de representações de papeis em linha. Isso se dá porque estas pessoas estão na fase de “descobrir a identidade e de fazer experiências com ela, de descobrir o que realmente são ou gostariam de ser” (Castells, 2001, p. 99).
        Com a rede surgiu a noção de “comunidade virtual”, como novo suporte para a sociabilidade. Contudo, o termo “comunidade”, pela sua carga ideológica, confundiu formas diferentes de relação social e provocou o debate entre os defensores da forma tradicional de comunidade (espacialmente limitada) e os progressistas, que optam pela comunidade ilimitada e livre da Internet. Essa discussão, na verdade, é mais antiga, e já era travada entre os defensores da tradição comunitária rural (pequenos grupos próximos) e os defensores da urbanização (famílias com laços fracos entre si, espalhadas na metrópole anônima).
        O fato, porém, é que as comunidades culturalmente homogêneas e limitadas nunca existiram na prática (Castells, 2001). Desse modo, com a Internet, surge a necessidade de se redefinir o conceito de comunidade, dando menos ênfase ao aspecto cultural e enfatizando a comunidade como um apoio à existência social de e entre indivíduos. Wellman (2001, apud Castells, 2001) afirma que “comunidades são redes de laços interpessoais que proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social”. Comunidade é então, uma rede que proporciona interação. “As redes são montadas pelas escolhas e estratégias dos atores sociais [...]. A grande transformação da sociabilidade em sociedades complexas ocorreu com a substituição de comunidades espaciais por redes como formas fundamentais de sociabilidade” (Castells, 2001). Em pesquisa realizada nos EUA verificou-se que pessoas que tinham mais de 1000 laços interpessoais, dentre esses, 50 eram realmente fortes e apenas 6 eram realmente íntimos. Contudo, os laços fracos são importantes, pois são fonte de informação, de trabalho, de divertimento etc. Esses laços, ao contrário dos íntimos, são independentes da proximidade espacial e, por isso, precisam ser mediados por algum meio de comunicação. É neste ponto que a Internet se apresenta como ponte, assim como a telefonia.
        Segundo Castells (2001), “a tendência dominante na evolução das relações sociais em nossas sociedades é a ascensão do individualismo [...]”. A partir de perspectivas muito diferentes, cientistas sociais [...] enfatizam o surgimento de um novo sistema de relações sociais centrado no indivíduo. Após a transição da predominância de relações primárias para a de relações secundárias, o novo padrão dominante é o terciário, personalizado, baseado em redes “egocentradas”.
        Ocorre uma privatização da sociabilidade. Essa nova relação “é induzida pela crise do patriarcalismo e a subseqüente desintegração da família nuclear tradicional [...]”. E é sustentada pela urbanização que individualiza e fragmenta o contexto espacial de existência: pessoas cada vez mais distantes fisicamente em condomínios fechados; existências de grandes metrópoles (Castells, 2001).
        Além disso, o contato com o diferente, como é comum no contexto urbano, relativiza os conceitos e impõe a tolerância em relação ao outro, o que forma uma individualidade calcada na aceitação de tudo que vem do outro e, ao mesmo tempo, na delimitação e na exposição do eu individual ao outro. A rede reflete esse esquema de socialização individualizada que se vive na realidade concreta.
        A Internet se apresenta como um dos suportes materiais para a prática desse individualismo em rede. Ela serve de suporte para a conexão entre individualidades que compartilham interesses comuns e assim se formam as comunidades. “As pessoas se ligam e se desligam da Internet, mudam de interesse, não revelam necessariamente sua identidade [...], migram para outros padrões on-line. Mas se as conexões não são duradouras, o fluxo permanece, e muitos participantes da rede o utilizam como uma de suas manifestações sociais” (Castells, 2001, p.108). São comunidades em metamorfose constante: “as comunidades on-line são em geral efêmeras e raramente articulam a interação on-line com a física [...]. São redes variáveis e de composição cambiante segundo o interesse dos atores sociais e da própria rede [...]. O tema em torno do qual uma comunidade é montada define seus participantes. Na Internet você é o que diz ser, já que é com base nesta presunção que uma rede de interação social é construída ao longo do tempo” (Castells, 2001, p. 109). A Internet se apresenta, conforme observa Wellman (2001, apud Castells, 2001), como “a forma dominante de organização social”.
        Não é a Internet que cria um padrão de individualismo em rede, mas seu desenvolvimento que fornece um suporte material para a difusão do individualismo como forma de sociabilidade. Assim, o individualismo é um padrão social, e não um acúmulo de indivíduos isolados (Castells, 2001).
        O individualismo precede e extrapola os limites da rede virtual, e se dá tanto no lugar físico quanto no virtual. Cardoso (1998, apud Castells, 2001, p.110) comenta que “estamos na presença de uma nova noção de espaço em que físico e virtual se influenciam um ao outro, lançando as bases para a emergência de novas formas de socialização, novos estilos de vida e novas formas de organização social”.
Desse modo, o individualismo em rede vem redefinindo as fronteiras e o significado de instituições tradicionais de sociabilidade, como a família, por exemplo. “Essas tendências equivalem ao triunfo do indivíduo, embora os custos para a sociedade ainda sejam obscuros” (Castells, 2001). Ao que parece, estamos diante de um novo modelo de sociedade: a sociedade em rede. A sociedade em rede não é o resultado do impacto das novas tecnologias de informação nem da difusão da Internet. Na realidade, trata-se de uma forma social nova, que resulta da interação complexa entre a evolução social e a evolução tecnológica, tendo a Internet como meio de comunicação interativo e como infra-estrutura tecnológica decisiva para a organização em rede dos mais variados âmbitos da vida. Se a Internet não é o fator causal das novas formas de organização social, ela é o meio necessário para o desenvolvimento das redes de interação e comunicação em que se baseia a sociedade atual.